Wednesday, March 30, 2011

sobre ampola de sangue de porco e rituais semi-satânicos de casamento

Hoje eu não consegui acordar as 5:30 da manhã pra ir malhar antes da minhas aula de inglês às 8:00. Na verdade eu só acordei 7:10, o que significa que eu chequei uns 5 minutos atrasada na aula.

Como o curso é de literatura britânica, estamos lendo Songs of Innocence and Songs of Experience de William Blake. O interessante é que pra mim o primeiro livro, Songs of Innocence, é o mais ácido, o mais crítico. A inocência sempre é explorada, perdida, violada, ou as pessoas são ignorantes porque elas são inocentes ou, em alguns casos extremos do livro, a inocência é utilizada como arma contra aqueles que são inocentes.

Mas o título do livro é tão poderoso que os leitores se fazem inocente quando lêem Songs of Innocence. Ou talvez eles apenas não entendam nada de literatura mesmo. Ambas as hipóteses são válidas.

Mas eu quero falar de outra coisa. O tema dessa aula de hoje na verdade serviu pra me lembrar de uma outra aula de inglês que eu tive, na qual falamos sobre casamento.

Na verdade estava-mos falando de violência doméstica contra mulheres, mas eu quero falar da parte engraçada, e essa parte é casamento.

O engraçado é que o casamento de hoje em dia é um eco dos casamentos medievais, nos quais as mulheres eram literalmente propriedade de algum homem (primeiro o pai e depois o marido). Não estou falando de tudo no casamento, mas mais especificamente a festa em si. O rito semi-satânico. 

O que hoje é a despedida de solteiro para os homens na verdade era uma noite como outra qualquer, afinal os homens medievais iam pra bordeis beber até cair e utilizar o servido das profissionais do sexo com bastante frequência, casados ou não. A única diferença é que ele tentava não está muito muito louco no dia do casório, afinal ele tinha que contar o dote (e como todos sabem, contar não funciona muito bem a depender do estado de alcoolismo do contador).

Já a véspera da noite de casamento para as mulheres era um verdadeiro concurso de quem apavora mais a pobre da noiva (que provavelmente tinha menos de 16 anos). As outras mulheres da casa, mães, tias, irmãs mais velhas e serventes tratavam de tentam esplicar a dor e o sofrimento que era fazer sexo, como a noiva-criança iria se tornar praticamente escrava do marido, e que ela poderia muito bem ser espancada se ela fizesse algo de errado, e por aí vai a bagaceira.

Mas o mais engraçado é que era um costume medieval colocar o lençol usado na noite de núpcias, que deveria estar manchado de sangue na janela do quarto, para que todos soubessem que o casamento havia sido consumado (afinal de contas, naquela época, o que selava o casamento mesmo era sexo). Bom, mas é sabido que nem todas as mocinhas inocentes eram tão inocentes assim, e além do mais existia muito estupro e violência sexual naquela época, e ainda existem casos mais ou menos frequentes de mulheres que não sangram.

Daí vem o vial de sangue de porco. A mãe da pobre coitada dava o vial para sua filha, para evitar que ela fosse completamente humilhada e "devolvida" pelo marido, caso o tal do lençol não estivesse sanguinolento. 

E é por isso que casamento é uma coisa esquisita. Dos votos de obediência que as mulheres fazem aos homens, caso elas escolham recitar os votos tradicionais, do fato que o pai da noiva dá a mão da filha em casamento (que na verdade é eco da finalização de um negócio entre o noivo e o pai da noiva), do véu sobre o rosto da noiva (que era pra evitar que o noivo fugisse se a noiva fosse feia, afinal na maioria das vezes um nunca tinha visto o outro antes do dia do casamento), ao fato de que o pai tem que levar a filha (afinal alguém tem que guiar a pobre, porque não dava pra ver nada com os véus de antigamente, que eram na verdade lençóis brancos).

Outra estranhisse é a jogada do bouquet e da sinta liga para os convidados que é um estranho reflexo do hábito de lançar pedaços do vestido de noiva para o povo no casamento para distraí-los, fazendo possível com que os recém-casados fujam da multidão, que perseguia a pobre da noiva pra arrancar um pedaço do vestido na pobre, que era tido como objeto que garantia sorte ao seu potentor, como um trevo de quatro folhas ou uma ferradura (?).

Ah! Lembrei porque eu queria falar de casamentos, e de ver as mulheres como propriedades de homens. Estava-mos falando de como as crianças, no romantismo inglês, eram propriedades de seus pais, que podiam vende-las, aluga-las para trabalhos como limpar chaminés ou trabalhar teares, e eu lembrei de que mulheres também eram tratadas assim, e que geralmente mulheres e crianças recebiam o mesmo salário, que era sempre menor do que o dos homens.

Se eu sou feminista? Não. Mas eu acredito em igualdade.

1 comment:

  1. Sim, isto é um bom começo, a História como algo que foi porque foi, que foi assim porque não havia muito jeito de ser de outra maneira, que não teve razões ou significados, que simplesmente aconteceu e não como qualquer outra coisa em que se possa apelar para barbárie ou outros métodos mais ardilosos de apagar que nós também somos isto, o pano branco semi-limpo do altar em cima da pilha de restos humanos, e que contamos e recontamos a epopeia de como o desejo do outro, aqui o desejo da mulher, mas não exclusivamente, precisa ser estrangulado para que se possa desejar em paz, o que é tão hediondo quanto quotidiano. Não sei, porém, se reconheço a igualdade. Não reconheço nada fora do completo abstrato da palavra e do que ela parece inferir como seu próprio significado (it’s a trap!) que faça valer qualquer coisa parecida com igualdade. Como ideal, muito PIMBA (Pseudo-Intelectual-Metido-a-BestA) da área de saúde se enche pra falar de equidade, que nada mais é que a noção de tratar desiguais de maneira desigual (o que hipoteticamente promove soluções mais justas que tratar quem está em cima e quem está em baixo com “igualdade”, tudo jogo de palavras, tudo, sempre). Em algum lugar da minha cabeça todas estas palavras são boas desculpas para que não se formulem as perguntas principais, como aquela que coloquei informalmente lá atrás, sobre o desejo do homem e da mulher, sobre o intolerável que é o desejo do outro ou, atualizando tudo em cima deste último problema da equidade/igualdade/etc em relação ao que a mulher passou e passa no curso da Historia, qual é o resto e o dejeto que existe por debaixo do pano semi-limpo, o que é que faz as pessoas fazerem as coisas que fazem e, talvez mais importante que tudo, como é que é exatamente isto, esta coisa, acima de tantas outras, justo o sujo, o torto e o obsceno, que termina sendo enfim o objeto de amor?

    Talvez isto seja o início triunfal de uma teoria unificada da mulher de malandro (se ela não precisa mais disto, não hoje, não mais, finalmente, por que continua?), do homem canalha/asqueroso (todo mundo sempre foi assim e sempre deu certo... Veja o Cro-Magnon...) ou, melhor, de como a gente simplesmente não teve meios, por muito tempo, de colocar toda esta porcaria em cima da mesa e de como, talvez - e através de meios muito mais sutis de controle -, nós continuamos por muito tempo nos deparando com tabus sem nos darmos conta de que é disto que se tratava, quero dizer, do tradicionalmente intratável.

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